25 janeiro 2010

TEXTO 3

CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE
(Elaborada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2-6 Novembro 1994)

Preâmbulo

Considerando que a proliferação actual das disciplinas académicas conduz a um crescimento exponencial do saber que torna impossível qualquer olhar global do ser humano;

Considerando que somente uma inteligência que se dá conta da dimensão planetária dos conflitos actuais poderá fazer frente à complexidade do nosso mundo e ao desafio contemporâneo de autodestruição material e espiritual da nossa espécie;

Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia;

Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis;

Considerando que o crescimento do saber, sem precedentes na história, aumenta a desigualdade entre os seus detentores e os que são desprovidos dele, engendrando assim desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as nações do planeta;

Considerando simultaneamente que todos os desafios enunciados possuem a sua contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário do saber pode conduzir a uma mutação comparável à evolução dos hominídeos à espécie humana;

Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade (Convento de Arrábida, Portugal 2 - 7 de novembro de 1994) adoptaram o presente Protocolo entendido como um conjunto de princípios fundamentais da comunidade de espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo signatário deste Protocolo faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica e institucional.

Artigo 1:
Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo nas estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.

Artigo 2:
O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas diferentes é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de reduzir a realidade a um único nível regido por uma única lógica não se situa no campo da transdisciplinaridade.

Artigo 3:
A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa.

Artigo 4:
O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, mediante um novo olhar sobre a relatividade das noções de “definição” e de “objectividade”. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade, comportando a exclusão do sujeito, levam ao empobrecimento.

Artigo 5:
A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida em que ela ultrapassa o campo das ciências exactas devido ao seu diálogo e reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.

Artigo 6:
Em relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multirreferencial e multidimensional. Embora levando em conta os conceitos de tempo e de história, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte transhistórico.

Artigo 7:
A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências.

Artigo 8:
A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O surgimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a título de habitante da Terra, ele é ao mesmo tempo um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional de uma dupla cidadania – referente a uma nação e à Terra - constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar.

Artigo 9:
A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos, às religiões e àqueles que os respeitam num espírito transdisciplinar.

Artigo 10:
Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras culturas. A abordagem transdisciplinar é ela própria transcultural.

Artigo 11:
Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.

Artigo 12:
A elaboração de uma economia transdisciplinar baseada no postulado de que a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso.

Artigo 13:
A ética transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao diálogo e à discussão, seja qual for a sua origem - de ordem ideológica, científica, religiosa, económica, política ou filosófica. O saber compartilhado deveria conduzir a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das diferenças entre os seres, unidos pela vida comum sobre uma única e mesma Terra.

Artigo 14:
Rigor, abertura e tolerância são características fundamentais da atitude e da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação, que leva em conta todos os dados, é a melhor barreira contra possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas.

Artigo final:
A presente Carta Transdisciplinar foi adoptada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, que não reivindicam nenhuma outra autoridade excepto a do seu próprio trabalho e da sua própria actividade.
Segundo os procedimentos que serão definidos de acordo com as mentes transdisciplinares de todos os países, esta Carta esta aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover nacional, internacional e transnacionalmente as medidas progressivas para a aplicação destes artigos na vida cotidiana.


Convento de Arrábida, 6 de novembro de 1994
Comitê de Redação
Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu

24 comentários:

  1. 1.Cada artigo refere um conceito. Refere-os.

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  2. 1. porque é que ainda hoje se coloca estas questões?
    2.Porque razão, está o cristianismo relacionado com a evolução das espécies?
    Gonçalo Cardoso nº9 10ºA

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  3. 1) O que é, concretamente, a teoria de Darwin?
    2) O que é que mudou com a teoria de Darwin?

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  4. 1.Porque razão a reflexão teológica da Natureza ainda é algo de marginal na teologia católica?

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  5. O que leva á ascensão de um novo descurantismo?

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  6. Defina proliferação.
    Defina obscurantismo.
    Onde se realizou e de que se trata o Primeiro Congresso Mundial?



    André Frade nº4 10ºA

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  7. Em que consiste uma visão tranciplinar?
    Porque é que a transdisciplinaridade é tão importante?

    Inês Mata 10ºA nº11

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  8. Que comunidade de Espíritos transdisciplinados é esta?

    Será a transdisciplinaridade uma maneira de criticar outras sabedorias e disciplinas ou uma maneira de as perceber e ajudar procurando as suas respostas,pontos fortes e fracos e as suas perguntas?

    Se um ser Humano é transnacional e antes de de habitante de um pais é habitante da terra, porque é que existem fronteiras, diferentes línguas, diferentes politicas, guerras e desigualdades?

    David Santos nº6 10ºA

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  9. De que modo reduzir o ser humano a uma mera definição, é incompatível com a visão transdisciplinar?

    Se a visão trandisciplinar é aberta, porquê que não aceita reduzir o ser humano a uma mera definição?

    Podemos dizer que a transdisciplinariedade é neutra? Ou subtilmente defende o cristianismo ou o evolucionismo?

    Mariana Reis nº18 10ºA

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  10. Em que consistem as palavras "preâmbulo" e "transdisciplinaridade"?



    Júlia Batista

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  11. Em que consiste a Carta da Transdisciplinaridade ?



    Luís Trindade 10ºA Nº17

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  12. Caros alunos,

    em primeiro lugar, obrigado pelos vossos comentários. O diálogo convosco é uma boa preparação para o nosso colóquio e, por isso, aproveito esta oportunidade para responder ou comentar algumas das vossas questões e comentários. Como existe uma interacção entre este e os outros textos, irei focar a minha atenção na questão da Trandisciplinaridade, sem entrar ainda muito na sua importância para o "fim de um mundo" trazido por Darwin.

    Começaria talvez pela pergunta sobre o que consiste a Carta da Transdisciplinaridade, porque tem um preâmbulo; qual o significado dessa palavra 'transdisciplinaridade'; como vê o ser humano; e qual a sua importância no contexto do evolucionismo e cristianismo.

    Esta carta é uma manifestação pública da percepção que muito cientistas, filósofos, teólogos, sociólogos, antropólogos, entre muitos outros, partilham de ser necessária uma visão nova sobre o conhecimento e o seu desenvolvimento. Nomeadamente, reconhecemos a necessidade de uma abordagem que leve à unidade do conhecimento, indo contra a corrente actual da sua fragmentação que leva ao "obscurantismo" porque se opõe sistematicamente ao desenvolvimento do progresso ao estimular a ignorância do todo quando o fragmentamos nas partes que o constituem e o reduzimos a essas.

    Porém, como toda e qualquer manifestação, é necessário clarificar os seus pressupostos, ou seja, a partir de que ponto partimos para afirmar a visão transdisciplinar e é nisso que consiste o preâmbulo. É como se dissessemos: "partimos daqui e da percepção que temos do que se passa à nossa volta".

    O prefixo "trans", segundo Basarab Nicolescu (um dos signatários desta Carta), indica o que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e para além das disciplinas, cuja finalidade é a compreensão do mundo presente com base numa unidade do conhecimento. Ou seja, o acto de conhecer ocorre na interacção entre as diversas disciplinas, através do contributo que cada uma dá nessa interacção, e cujo resultado poderá implicar uma "nova" disciplina indo para além das que interagem entre si.

    Contudo, por mais diferentes que sejam as disciplinas, o que há de comum a todas elas é o ser humano. Ser humano esse que é parte da natureza, e não está à parte; que toma consciência de si quando diz "eu", mas que se torna pessoa apenas quando diz "tu", pois, numa visão transdisciplinar, a Realidade mais fundamental não é a substância que nos dá corpo, mas o movimento, a relação, a interligação do ser humano consigo mesmo e com tudo o que está à sua volta. Assim, também um ser humano "transnacional", como reparou o David Santos, considera-se um habitante da terra e, por isso mesmo, as fronteiras, as línguas e políticas manifestam a diversidade que dá sentido à sua unidade na família humana, enquanto as guerras e desigualdades manifestam-se como absurdas numa visão transdisciplinar.

    No contexto da evolução e criação, ou evolucionismo e cristianismo, muitos vêem na interacção dos dois uma "contradição". Ora, a visão transdisciplinar assenta precisamente na unidade daquilo que num mesmo nível de realidade seria uma contradição, realizando essa mesma unidade através de um "terceiro incluído", algo de um nível de realidade ou complexidade superior que "iluminasse" os contraditórios. Um exemplo: a matéria e a anti-matéria encontram-se ligadas por uma subtil relação de opostos energéticos entre a massa e a energia. Qual o "terceiro incluído" que liga a contrariedade possível entre evolucionismo e cristianismo? Deixo convosco procurarem a resposta ...

    Saudações a todos ... Miguel Oliveira Panão

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  13. O que é a transdisciplinaridade?

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  14. "considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que obedece apenas á logica assustadora da eficácia"
    O que quer esta frase dizer?

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  15. O artigo 12 fala de uma economia transdisciplinar baseada no postulado. o que quer isso dizer?

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  16. 1. O que é a carta de transdisciplinaridade?

    2. Artigo 12 - O que é uma economia transdisciplinar?

    3. Em que consiste o Congresso Mundial de Transdisciplinaridade?

    Carolina nº3 10ºC

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  17. Para que serve ao certo a carta da transdisciplinaridade?

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  18. Cara Inês, dizes

    "considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que obedece apenas á logica assustadora da eficácia"
    O que quer esta frase dizer?


    É uma excelente pergunta. Diz-me o que pensas desta frase? Porque a escolheste? O que te despertou a atenção nela?

    O artigo 12 fala de uma economia transdisciplinar baseada no postulado. o que quer isso dizer?

    Quer dizer que existe uma "verdade indemonstrável", um "facto reconhecido" de que a economia deve estar ao serviço o homem e não o inverso. Concordas com isso?

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  19. Caras Carolina e Diana,

    Num comentário anterior podem encontrar uma explicação para a Carta da Transdisciplinaridade. Interessante é perceber: "para que serve"? Porque razão cientistas, filósofos, sociólogos, etc, de renome terão feito esta carta e publicamente assinado. Que necessidade há de uma "transdisciplinaridade"? Será importante o conceito para as questões e o debate em torno da revolução de pensamento trazida por Darwin? O que acham vocês?

    Quanto à questão de uma "economia transdisciplinar" existe este exemplo: http://www.edc-online.org/index.php/br.html

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  20. 1. Antes de mais gostaria de perguntar, o que é a transdiciplinaridade ao certo e qual a sua importância para o crescimento do saber humano?

    2. Qual é a ideia principal que a transdisciplinaridade defende?

    3. Qual foi a finalidade do Primeiro Congresso Mundial da transdisciplinaridade?

    4. Em que consiste o protocolo que os participantes do Congresso adoptaram?

    Hugo Farinha Nº10 10ºC

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  21. Caro Hugo,

    no meu primeiro comentário respondi às perguntas 1 e 2. Quanto à 3 e 4, a finalidade do primeiro Congresso foi congregar cientistas, filósofos e pessoas de outras áreas para reflectirem juntas sobre as questões levantadas no preâmbulo e como formular uma resposta que não ficasse apenas entre elas, mas pudessem partilhar com a Humanidade. É daí que surge, não tanto um protocolo - como questionas - mas uma Carta, isto é, uma mensagem aberta a todos.

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  22. 1. Qual e a teoria da selecção natural?

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  23. O que significa Preâmbulo?

    Há alguma razão aparente para as frases que compôem o Preâmbulo começarem todas pela palavra "Considerando"?

    "Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo nas estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar." Porquê?

    De que forma a trandisciplinaridade e tudo o que possa advir dela, está relacionado com Darwin?

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  24. Caro Flávio,

    O que significa Preâmbulo?
    Penso ter respondido num comentário anterior. As frases nele contidas começam por "considerando" porque é uma forma linguística de estabelecer o ponto de partida para o que se subscreve na carta.

    "Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo nas estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar." Porquê?

    Uma visão transdisciplinar implica a unidade do conhecimento, por oposição à sua fragmentação. Por fragmentação do conhecimento deve-se entender a redução de várias formas de saber a uma só, ou umas poucas.

    De que forma a trandisciplinaridade e tudo o que possa advir dela, está relacionado com Darwin?
    Penso que a transdisciplinaridade é uma metodologia muito interessante para resolver os contraditórios gerados pelo belíssimo contributo de Darwin no pensamento humano. Porquê? Porque impulsiona a ir para além da mera aparência do que nos parece oposto, explorando os diversos níveis da realidade.

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